Pensar a respeito do poder que os pais exercem sobre os filhos é um exercício bem interessante. Tenho praticado bastante tentando enxergar/entender o efeito desse poder na minha vida e na vida das minhas filhas.
Pais são capazes de estragos enormes.
Na maioria das vezes – quero acreditar – sem se darem conta. Acho que faz parte dos desafios de evolução que todos passamos nessa vida. Fato é que a gente gosta de achar que pode tudo. Afinal, é pelo filho. Que deve tudo, porque é pelo filho. Ou o contrário. Que não podemos, porque temos filhos. Que não devemos, por eles existirem.
São a desculpa perfeita pra quase tudo. E usando a eles dessa forma, ou melhor – o amor que temos por eles – nos justificamos. Fazemos isso convictos de que só atingimos a nós mesmos. E não percebemos a carga que colocamos sobre os ombros deles.
Um dos desafios de ser mãe/pai é a certeza de que, em algum momento da nossa vida (mais provável que em vários), vamos experimentar a impotência. Quando o filho adoece, se fere, perde o rumo, sofre por amor, encara dilemas. Nessas horas não podemos mais do que seguir a receita do médico, botar no colo, ouvir ou tentar aconselhar. Não podemos tomar seu lugar e viver o momento por eles.
Graças ao bom Deus. Porque se pudéssemos, faríamos. E, de novo, estaríamos usando nosso imenso poder para causar estragos.
A impotência, aposto, deve ter ser sido inventada como um tipo de proteção contra os pais. Um firewall instalado no sistema de vida do filho para casos onde perdemos bom senso e discernimento e queremos bancar os super pais. Um alerta que a vida lança quando algo está errado. Quando nos esforçamos ao máximo para controlar e proteger, ditar as regras, “manter no caminho”. Tentando garantir que tudo saia conforme o projeto. O nosso projeto, de pai e mãe. Resposta da vida: “OK! Hora de uma dose de impotência. Assim não está funcionando.” E dá-lhe situações que tiram a gente do chão.
A questão é que sacar o que a vida está tentando dizer não é tão simples. Não damos muita bola para a causa do alerta. Vamos atrás, sim, o mais rápido possível, de tratar a consequência e eliminar o sofrimento.
Como seria se tentássemos fazer diferente, logo do início?
Não falo de negar colo, atenção, amor ou cuidados. Isso é essencial. Falo de oferecer apenas isso (como se fosse pouco!). O essencial. O que, no fim das contas, realmente faz diferença – amor e presença. Sem expectativas. Sem cobranças. Sem delegar carga. Sem castrar liberdade, aprendizados e experiências.
Tenho a impressão de que notaríamos, desde cedo, o quanto nossas crias podem ser fortes e capazes de lidar com desafios. Para as quedas e sofrimentos – apenas amor e presença. “Porque isso acontece. Faz parte. Nos faz mais fortes e mais conscientes. Não é o fim do mundo e não acontece só com você.” Simples. Sem drama. Sem egocentrismo, nem chantagem. Com a maturidade que pai e mãe deveriam ter.
Mas é tão difícil às vezes. Simplesmente porque nós mesmos ainda temos crianças feridas e magoados dento de nós. E na intenção de que nossos filhos fiquem a salvo do que nós passamos, só falta colocá-los numa redoma. Quando o que os salvaria de verdade é exatamente o oposto. Não o fato de passarem pelo sofrimento em si, mas de encará-lo de frente, olho no olho, e entendê-lo. Senti-lo. Em toda sua profundidade e forma. E tentar absorver a lição que ele está tentando ensinar.
Nossos filhos são grandes espelhos que refletem quem somos. E como lidamos com a vida. Mostram nosso melhor e também o pior. Mostram todas as nuances que ainda não resolvemos internamente. Com nós mesmos e com nossos pais. E na incapacidade de encararmos esses espelhos, atravessamos gerações em situações que se repetem.
Quem sabe uma solução possível seria começarmos por nós mesmos, adultos que viraram pai e mãe. Aqui mesmo, de onde estamos. Cada um com a sua bagagem, os seus espelhos. Nossos filhos e nossos pais são fatores externos. Outras almas. Outras crianças. Laços de sangue nos unem para sempre. Podem nos nutrir e ser fortaleza. Mas não podem nos manter presos ou dependentes. A vida pertence individualmente e assim precisa ser vivida.
Tentemos começar com o auto-cuidado. A criança que mora lá no fundo do nosso ser e precisa de amor, presença, reconhecimento e expressão. Olhar o que nos dói e machuca. Tentar descobrir de onde isso vem e porquê.
Pode ser confuso. Atordoante. Um incômodo desnecessário. Mas confie. Deixe sair o que for e olhe para isso. Com tempo e paciência muitos entendimentos virão. Mas não caia na bobagem de achar culpados. Tudo que aconteceu veio para sua vida trazido por você mesmo. E mais ninguém. Cada um é responsável pelo que sente, pensa e escolhe fazer. Mesmo optando por fazer nada. Mesmo sendo ainda criança. Mesmo atuando inconscientemente.
Acredite: um belo dia, de algum lugar, uma alma mais leve vai emergir. E nossas crianças agradecerão.